
Carlos Alberto Videira
Administrador Executivo BRAGAHABIT
Cidades participativas: das assembleias locais aos
compromissos globais
As cidades enfrentam hoje desafios de enorme complexidade. A urbanização crescente pressiona o mercado de habitação e as redes de mobilidade. Em Portugal, o número de famílias disparou, criando maior pressão sobre um parque habitacional limitado e encarecido. Ao mesmo tempo, a mobilidade tornou-se um fator decisivo de inclusão: porque o direito a viver nas cidades só é pleno se for acompanhado do direito a chegar às cidades e chegar às oportunidades.
Responder a estes desafios não pode passar apenas pela construção de mais casas ou novas infraestruturas de transporte. Em tempos de urgência máxima e paciência mínima, é preciso envolver os cidadãos na definição das medidas que lhes dizem respeito. Uma política de habitação só será eficaz se refletir as necessidades das famílias, das comunidades migrantes, dos jovens ou dos idosos. Do mesmo modo, uma estratégia de mobilidade só terá sucesso se for construída com quem diariamente enfrenta constrangimentos de acesso à educação, ao emprego, à saúde e à cultura.
A título de exemplo, a Assembleia de Moradores, criada em fevereiro de 2022, em Braga, assumiu-se como um fórum regular de participação que devolveu voz aos residentes dos mais diversos contextos. Paralelamente, o Programa Viva o Bairro disponibilizou recursos financeiros e apoio técnico para que os próprios moradores desenhassem e implementassem projetos de cidadania, cultura, desporto, ambiente, juventude e envelhecimento ativo. Mais do que financiar iniciativas, tratou-se de transferir poder de decisão para as comunidades, desde a redação do regulamento até à execução e avaliação de cada projeto.
Este modelo mostrou resultados concretos: o número de associações de moradores duplicou, dezenas de projetos foram financiados e os territórios foram transformados. Em 2023, a Assembleia de Moradores foi distinguida com o UN-Habitat Scroll of Honour Award, pela “criação de soluções de desenvolvimento social, económico e ambiental para todos os residentes de Braga”. Nessa ocasião, a então Diretora Executiva da UN-Habitat recordou: “Enquanto mantivermos os pés assentes no chão, investirmos em soluções inovadoras que sejam eficazes em termos de custos e as escalarmos, o nosso futuro urbano será sustentável.”
Que lições podemos retirar? Em primeiro lugar, que a cidade do futuro deve ser participativa: ouvir, envolver e corresponsabilizar os cidadãos não é um gesto simbólico, é uma condição de eficácia. Em segundo lugar, que a coesão social nasce da proximidade. Em terceiro lugar, que os compromissos globais exigem ação local: só alcançaremos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável se conseguirmos integrar todos os desafios num mesmo desígnio de participação.
Braga mostrou que é possível transformar cidadãos em protagonistas e bairros em motores de futuro. O desafio que se coloca agora é ampliar esta lógica: a cidade das novas gerações não pode ser apenas construída com betão ou tecnologia. Tem de ser uma cidade de confiança, pertença e responsabilidade partilhada, capaz de ligar cada rua e cada bairro a uma ambição comum: um futuro urbano mais inclusivo, sustentável e humano.