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Livia Arcand
Voluntária

O direito de criar os próprios sonhos 

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Sou parte da famosa Geração Z, e acredito que, para muitos de nós, a sensação é de que quando nascemos, o nosso lar — o planeta Terra — já estava fragilizado e ameaçado. Por isso, crescemos já conscientes dos enormes desafios das mudanças climáticas, das desigualdades sociais e das instabilidades políticas. Dessa forma, responder à pergunta “que tipo de cidade deve ser construída para as novas gerações?” traz-me, por um lado, uma grande frustração, mas por outro, uma possibilidade de pensar em soluções — e, talvez, de sonhar. No entanto, sonhar, hoje, parece um ato silencioso de resistência. As redes sociais nos conectam, mas também nos isolam. Raramente vivemos em comunidade — e é justamente nessa ausência que o sonho coletivo se esvazia. Sonhar o futuro exige, antes de tudo, reconstruir o sentido de comunidade. A coesão social surge, então, como uma possível forma de restaurar o sentimento de pertencimento a uma comunidade, não apenas como resposta técnica aos desafios modernos, mas como um convite ao fortalecimento das relações humanas em direção a um futuro comum. Sobre isso, alguns pontos devem ser considerados: 

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Primeiramente, a coesão social não nasce espontaneamente. Não pode haver coesão se não conhecemos o próprio vizinho. Não se pode esperar uma comunidade coesa sem entreajuda — conceito explorado por Pablo Servigne e Gauthier Chapelle (2017). A lógica comunitária deve ultrapassar os limites da família tradicional. Não se trata de oposição, mas de multiplicação de possibilidades. Consideremos um exemplo simples, mas eficaz: quando foi a última vez que pedimos emprestado um ingrediente faltante para uma receita, em vez de sair imediatamente para o supermercado? Ou quando compartilhamos com amigos uma peça de roupa, um acessório ou uma ferramenta, para um evento ou um trabalho pontual? 

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Além disso, a coesão social é, indubitavelmente, um elemento essencial para fortalecer comunidades — e também para torná-las mais seguras. Estudos sociológicos mostram que, onde há confiança mútua e laços comunitários, há menor índice de violência e maior capacidade de prevenção coletiva. Quando conhecemos os nossos vizinhos, criamos redes de cuidado que substituem o medo pela solidariedade. A segurança, então, deixa de ser apenas uma questão de vigilância e passa a ser uma expressão de pertencimento. 

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Finalmente, há, de fato, um desafio inerente à vida urbana. O sociólogo e filósofo alemão Georg Simmel, em As grandes cidades e a vida do espírito (1903), analisou como na vida urbana, cheia de estímulos, as pessoas reagem mais com o entendimento (razão) e menos com o ânimo (sentimento). Ele descreve uma espécie de intelectualização das relações humanas, dominadas pela lógica da economia monetária. A vida urbana moderna, que gera individualismo, pede, ou melhor, suplica, por uma nova coesão comunitária a ser inventada. Nesse sentido, o compromisso global que precisamos incentivar não começa apenas nas grandes decisões políticas, mas nas pequenas práticas de convivência, no simples gesto de reconhecer-se parte de uma mesma comunidade. 

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Retomemos, portanto, a ideia da entreajuda: Servigne e Chapelle nos lembram que a competição não é a única lei que rege a natureza. A cooperação e o cuidado também formam parte fundamental da nossa evolução como espécie humana, e talvez seja graças a essas duas forças que as comunidades conseguem superar crises e reconstruir futuros em comum. Logo, além da motivação moral de seguir um compromisso global para as novas gerações, há, de fato, uma necessidade biológica e social para a sobrevivência coletiva. 

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Termino com a fala de Ailton Krenak, no livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo (2019): “Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.” 

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É nesse espaço comunitário, feito de entreajuda, de conhecimento mútuo, que florescerão as soluções para as novas gerações. Mas é preciso, antes de tudo, criá-lo — um espaço de diálogo, partilha e sonhos em comum. 

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Que nos deem espaço para continuar a sonhar!

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